Coluna Conversa de Pista: F-1, Rio e a eletrônica embarcada

A Coluna Conversa de Pista é escrita pelo jornalista especializado Wagner Gonzalez
A Coluna Conversa de Pista é escrita pelo jornalista especializado Wagner Gonzalez

A Fórmula 1 chegou onde chegou graças ao tino comercial de um inglês que iniciou sua fortuna consertando e vendendo bicicletas abandonadas ao sul de Londres. Hoje é comandada por um norte-americano diplomado em Harvard, uma das universidades mais seletivas e renomadas do mundo. A grandeza do Atlântico certamente é menor do que os estilos que caracterizam o britânico Ecclestone do norte-americano Carey; o oceano, porém, tem marés que remetem tanto à calmaria da corrida de domingo passado quando ao tsunami em que se transforma o futuro do GP do Brasil.

Especular do futuro da categoria mais importante do automobilismo é algo que se pode fazer em níveis nacional e internacional. Entre nós a existência do GP do Brasil atualmente é assunto de importância maior que a ausência de pilotos nacionais no grid da categoria. Mais do que isso, passa pelos interesses de Ecclestone e de Carey, enquanto este descendente de irlandeses representa os interesses da Liberty Media, empresa que adquiriu os direitos comerciais da F-1 pela bagatela de US$ 8 bilhões. Isso porque a corrida brasileira tem uma estrutura fiel a Bernie e que cresceu junto com sua atuação no automobilismo mundial; aos 88 anos este workaholic ainda não abandonou a ideia de voltar a controlar o negócio que logrou transformar de um evento secundário a um dos empreendimentos mais ricos do entretenimento mundial.

Trata-se de uma disputa de cachorro grande, para desenhar o cenário com tintas do dia-a-dia brasileiro. Ecclestone não admite a ideia de parar de trabalhar e tudo indica que ainda não engoliu a forma como os novos donos cuidam da F-1 que ele criou. Um dos primeiros atos de Carey ao suceder Bernie foi coloca-lo em uma posição que o próprio inglês definiu como semelhante ao cargo de rainha da Inglaterra… O norte-americano é homem de confiança de Rupert Murdoch, australiano considerado o maior empresário mundial das comunicações; o próprio Murdoch já mencionou que ele poderá ser seu sucessor à frente do império News Corporation; mais, o australiano não espera que o Mundial de Pilotos gere lucros apenas modestos.

Bolsonaro, entre Witzel e Carey, garante 99% de chances de levar a F-1 para o Rio (Gabriela Bilo/Estadão)

Para consolidar seu objetivo Carey precisa criar novos fãs e dar uma cara nova à categoria; não lhe faltam tentativas e novas ideias. Começou liberando o uso da internet, ideia que causava ojeriza a Ecclestone, promove exibições que levam pilotos e carros às ruas de grandes cidades, tenta abrir novos mercados, onde o Rio de Janeiro se encaixa devido ao impacto que o local pode agregar à F-1 da era Liberty e fomenta conversações com possíveis endereços para Grandes Prêmios tradicionais ou inéditos. Miami e Londres são regularmente mencionadas como local para uma etapa em circuito de rua e a inserção do Vietnã no calendário do ano que vem é o primeiro fruto desse trabalho. A tradição automobilística desse país é próxima do zero e a corrida vai acontecer em um traçado nas ruas de Ho Chi Minh em uma área que passa por profundas alterações urbanísticas para receber a competição.

Levar o GP do Brasil para o Rio significaria uma vitória política para Chase Carey, cuja equipe sofre para definir as bases de renovação dos contratos comerciais com as 10 equipes que disputam a F-1. Ocorre que apenas a vitória política não paga a conta de tal empreendimento. Se o Rio tem o apoio de Jair Bolsonaro (PSL) – que ontem garantiu 99% de certeza de que o GP brasileiro de 2021 vai acontecer no Rio – e do governador Wilson Witzel (PSC), ainda não se sabe de onde virão os cerca de R$ 700 milhões para construir o Rio Motor Park, única concorrente na licitação feita para escolher quem construirá a nova pista em terreno até então usado como campo de treinamento do Exército. De acordo com um arquiteto que acompanhou as assembleias públicas realizadas em Deodoro para debater a construção da pista “o assunto Fórmula 1 nunca foi citado nessas ocasiões”.

A construção de um novo autódromo no Rio é uma demanda legítima dos automobilistas cariocas e brasileiros, e é bem-vindo especialmente se acontecer sem uso de recursos públicos, processo que deveria contar com mais atenção da Confederação Brasileira de Automobilismo. Porém há de se considerar o atual balanço financeiro do Estado do Rio e da capital fluminense, que deverão arcar com obras de acesso e infraestrutura para a região. Numa análise igualmente próxima da realidade atual da cidade, os aspectos segurança e transporte também devem ser levados em consideração para os eventos que preencham a capacidade anunciada de 135 mil espectadores no local.

Após a declaração de Bolsonaro e dos “99% ou mais” de certeza de realizar o GP de 2021 no Rio, é importante lembrar que Chase Carey afirmou que segue negociando com São Paulo, cujo contrato atual inclui preferência na renovação do acordo. Prefeitura e Estado trabalham para formatar o processo de concessão do Autódromo de Interlagos; o governador João Dória Júnior e o prefeito Bruno Covas não escondem que pretendem manter a corrida em São Paulo, onde apesar das limitações de um autódromo que já existe, há estrutura de acomodação, transporte e alimentação adequadas para o circo que faz o GP acontecer. Mais importante do que qualquer outra coisa é o fato que o assunto de “tirar a corrida de São Paulo é a regularidade com que essa possibilidade renasce a cada renovação de contrato.

Briga no Brasil e calmaria na França

Daniel Ricciardo: caiu de sétimo para décimo-primeiro por dar emoção a uma corrida sonolenta(Renault)

Enquanto brasileiros se empenham para definir onde a corrida de 2021 vai acontecer, o circo da F-1 enfrenta um problema mais imediato e abrangente: o domínio de Lewis Hamilton e da equipe Mercedes não para de tornar as competições mais modorrentas. O GP da França, disputado domingo em Paul Ricard (veja aquio resultado completo da prova) foi exemplo claro de tal situação. Pior: o australiano Daniel Ricciardo terminou em sétimo lugar mas acabou penalizado duas vezes e ficou em décimo-primeiro lugar por ter usado a área de escape em disputas com Lando Norris e Kimi Räikkonen. Decisões como essa beiram o cinismo do politicamente correto e amedrontam pilotos em arriscar manobras dignas do esporte ao temer punições como as que prejudicaram Sebastian Vettel no GP do Canadá e Daniel Ricciardo na França. Juntas, essas penalidades afastam espectadores consolidados e não contribuem para a necessária renovação do sujeito que, ao final da cadeia produtiva do sistema, é o financiador de todo o circo.

É preciso trocar os circuitos integrados da eletrônica da F-1 por interferência maior do piloto humano (Renault)

Uma equipe dominar a F-1 não é algo novo: a própria Mercedes, nos anos 1950, Lotus (1978), McLaren (final dos anos 1980/início dos anos 1990), Williams (meados dos anos 1990) e Ferrari (início dos anos 2000), viveram períodos semelhantes. Nenhum deles, porém, foi tão acachapante quanto o que a equipe alemã e o britânico Lewis Hamilton exercem atualmente. É preciso mudar tal cenário o quanto antes para que essa atividade de fundo esportivo não se transforme numa variante menor de jogos eletrônicos baseados em sua própria existência; isso inclui que a máquina automóvel siga, no final das contas, dependente do talento individual de pilotos e não da capacidade humana cada vez mais focada na eletrônica.

Read Previous

Problemas comuns dos carros premium em revisões mecânicas

Read Next

Frota Parceira da Meritor percorre mais de 80 municípios