O ano mal começou e os bastidores do automobilismo brasileiro vivem uma movimentação com foco, difuso e diluído, na eleição que definirá o futuro presidente da principal entidade que governa o esporte no País. Tal atenção é voltada para o comando da Confederação Brasileira de Automobilismo (CBA), cargo que até o final do ano estará em poder do pernambucano Waldner Bernardo de Oliveira. Mais conhecido como Dadai, ele é afilhado político do conterrâneo Cleyton Pinteiro, que ficou conhecido por ter liderado a CBA por dois mandatos e não ter deixado qualquer marca de melhora ou conquista.
Pinteiro chegou ao cargo através de uma manobra que ainda gera discussões entre dois grupos de federações que se destacam no cenário do esporte. De um lado estão as entidades onde o automobilismo tem maior força – caso de Goiás, Paraná, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e São Paulo – e de outro a maior parte das representações das regiões Norte e Nordeste. Até 2009 cada entidade reconhecida pela CBA tinha um peso equivalente ao número de categorias que eram praticadas com regularidade na sua jurisdição. Para ilustrar: aquelas que promoviam competições de automobilismo no asfalto, na terra, kart e rally, por exemplo, teriam peso quatro, enquanto outra que promovesse apenas velocidade na terra, teria peso um.
Uma assembleia geral extraordinária poucos meses antes do final do segundo mandato do paulista Paulo Scaglione, que sucedeu o goiano Reginaldo Bufaiçal em 2001, mudou essa regra e equiparou todas as “faus”, como as federações são conhecidas no jargão do esporte. Pelo bem ou pelo mal, apenas uma chapa foi inscrita e Pinteiro foi eleito por unanimidade, herdou um amplo portfólio de campeonatos mas não conseguiu impedir que esse patrimônio definhasse significativamente e se transformasse em um bolo onde a cereja foi a perda do autódromo do Rio. Logo após assumir o cargo Pinteiro chegou a declarar que se acorrentaria ao portão do circuito de Jacarepaguá para impedir a destruição da praça desportiva que deu lugar ao Parque Olímpico. A história consolida a bravata.
O antecessor Scaglione tinha conseguido do governo carioca um acordo pelo qual a pista que sediou dez GPS do Brasil de F-1 somente seria desativada após a construção de um novo traçado. Outra conquista do paulista, uma área em Taubaté situada às margens da via Dutra cedida em comodato para construção de um sonhado e justificável segundo autódromo paulista, foi devolvida formalmente sem que houvesse empenho para capitalizar a oportunidade. Não custa lembrar que o Vale do Paraíba, onde Taubaté é a segunda maior cidade, é uma região altamente industrializada e tem fábricas de automóveis que poderiam utilizar extensivamente o empreendimento e gerar os fundos necessários para a manutenção básica da pista.
Quando Dadai sucedeu Pinteiro no comando da CBA esperava-se a reversão desse quadro sombrio, esperança materializada em parte: o Campeonato Brasileiro de Kart ganhou um bom espaço na TV e o de Velocidade na Terra fincou raízes que podem se transformar em uma bela árvore, especialmente se o Estado de Santa Catarina – onde a especialidade é extremamente popular – abraçar a categoria. Tal como ocorreu no período do seu padrinho, as fábricas de automóveis ainda não voltaram a enxergar o esporte como uma ferramenta eficiente de marketing e geração de empregos e tecnologia. Mais: formalizou-se a remuneração ao presidente e aos diretores, vários deles sem dar expediente em tempo integral. Há indicações que o diretor financeiro Sérgio Murilo Dias da Silva teria residência em Portugal. Por tudo isso há um clima de cobrança dos automobilistas por mudanças e soluções, algo necessário e que merece atenção e reflexão para evitar cair na mão de exaltados e oportunistas.
Alguns contratos mal administrados envolvendo a CBA podem causar a perda da sede própria da entidade, o andar inteiro de um prédio na rua da Glória, no bairro carioca do mesmo nome. Na parte prática a entidade atravessa há algum tempo uma tempestade no relacionamento entre seus comissários técnicos e desportivos e algumas categorias, particularmente a Stock Car, e é cobrada a dar maior apoio às categorias de base. Neste último item, o trabalho da Comissão Nacional de Kart pode ser considerado a exceção à regra.
As dificuldades para recolocar o automobilismo brasileiro no patamar vivido em épocas mais profícuas da economia são inúmeras e não há solução mágica. Seja quem for o próximo presidente ele terá pela frente desafios que até mesmo apoiadores a um ou outro candidato não têm a dimensão real de tal cenário: por vezes sequer entendem o mecanismo eleitoral do automobilismo, pouco ou nada diferente do que rege a maioria dos esportes no País.
A intenção de concorrer ao pleito do final do ano decorre do comentário generalizado de que Dadai não tentará a reeleição e que lançaria Giovanni Guerra, goiano radicado no Maranhão e representante brasileiro na Comissão Internacional de Kart. Consultado pela coluna, Guerra nega tanto qualquer pretensão a se candidatar quanto acreditar que Waldner Bernardo tentará um segundo mandato. Se isto realmente acontecer é bem possível que ele volte a enfrentar Milton Sperafico no pleito do final do ano. O paranaense tentou a presidência na última eleição e foi derrotado quando, comenta-se, alguns apoiadores teriam mudado de lado na última hora. Sperafico se diz candidato a candidato e que afirma que continua “fazendo contatos com federações para tomar uma decisão no momento apropriado”.
Uma terceira frente nessa corrida surgiu nos últimos dias: o ex-piloto Paulo Gomes, que cuidou do departamento de marketing nos oito anos de mandato de Cleyton Pinteiro já lançou sua candidatura e afirma possuir o apoio de três federações ao seu projeto. Pinteiro, por seu lado, ocupa com sua peculiar forma discreta a vice-presidência da Confederação Sul-Americana de Automobilismo (Codasur) e há quem aposte que ele estaria trabalhando para retornar ao posto que ocupou entre 2009 e 2017.