Abertura do Mundial de F-1 não empolgou. Ultrapassagens foram poucas. Transmissão foi falha
Mudanças são inevitáveis, porém quando demoram quatro décadas para acontecer podem ser mais traumáticas ou complicadas e, se envolvem culturas tão diferentes quanto a inglesa de outrora e a americana do futuro, muito contundentes. Para quem estava habituado ao funcionamento perfeito da transmissão de TV e, principalmente, esperava mais ultrapassagens durante a prova, o que se viu no GP da Austrália foi decepcionante, exceto para os tifosi, que celebraram a volta da Scuderia Ferrari à vitória, com Sebastian Vettel (Ferrari SF70 H), e mostrar certa superioridade sobre a Mercedes, que completou o pódio com Lewis Hamilton e Valtteri Bottas (ambos com AMG-Mercedes W08), nesta ordem.
Desde o início do ano os engenheiros da categoria já deixavam claro que os novos pneus e as novas asas, todos mais largos e aderentes, encurtariam a zona de frenagem, consequentemente diminuindo a possibilidade de ultrapassagem nessas manobras. Para piorar, vários pilotos confirmaram, após a prova, que um outro problema complicou ainda mais a situação: os pneus mais largos amplificaram a zona de turbulência, fenômeno que deturpa a estabilidade num momento que este coeficiente deve ser o maior possível.
Pneus e freios também contribuíram para algum suspense no plano técnico: ambos os itens foram bastante alterados para esta temporada. O que se destaca com relação aos primeiros é o fato de 83% dos jogos disponibilizados terem sido os de composto ultramacio, e nada menos de 8 dos dos 13 pilotos que receberam a bandeira estivessem rodando com pneus macios, os mais duros do fim de semana. O conhecimento dos engenheiros sobre a exploração plena dos novos compostos de 2017 – que a Pirelli admitiu serem mais resistentes ao desgaste -, pode justificar o resultado da corrida: a Ferrari (Vettel deu 23 voltas, e Räikkönen 26) soube aproveitar melhor que a Mercedes (Hamilton deu 17 e Bottas 25) a durabilidade dos pneus usados na primeira parte da corrida, os mais aderentes disponibilizados para o traçado de Albert Park, considerado um circuito de rua..
Outras novidades importantes vieram com os novos discos de freio Brembo, que fornece para a maior parte do grid. No caso do fabricante italiano a maior massa desse componente, que agora tem 32 mm de espessura (quatro a mais que em 2016), permitiu aumentar de 1.000 para 1.200 os dutos de refrigeração. A mudança ajudou a melhorar a dissipação de calor gerada nas frenagens, índice que pode ultrapassar os 1.000o C. Nem por isso o franco-suíço Romain Grosjean está mais tranquilo. Quando ele parou nos boxes por causa de um vazamento de água, na oitava volta, os freios traseiros do seu Haas VF17-Ferrari entraram em combustão. Quem sabe a causa dos males que o acompanha desde 2016 esteja na combinação do seu estilo de frenagem, na aerodinâmica do seu carro em torno do freios e suspensão e na isntalação do sistema brake-by-wire que compõe o pacote do fabricante italiano. Além de Grosjean, Jolyon Palmer (Renault RS17) e o estreante Lance Stroll (Williams FW40-Mercedes) também tiveram problemas com os freios de seus carros.
Uma queixa generalizada dos pilotos foi a maior turbulência gerada pelos carros 2017, algo que afeta a estabilidade de quem vem atrás: a carga aerodinâmica de um F-1 é gerada principalmente pela asa dianteira. Segundo Max Verstappen (RB13-Tag Heuer), “quando você fica a dois segundos ou menos de quem está à sua frente isso fica muito claro. Além disso, a instabilidade acaba destruindo os pneus”. Para Nico Hulkenberg (Renault RS17) ficou “praticamente impossível ultrapassar. Eu era quase um segundo mais rápido que o Estebán Ocón (Force India VJ10-Mercedes) mas não havia jeito de ultrapassa-lo”. Lewis Hamilton foi ainda mais fundo e declarou que “os problemas para ultrapassar nunca foram tão graves.”
Entre os que evitaram o pânico estão Kimi Räikkönen e Christian Horner. O finlandês (Ferrari SF70 H) lembrou que “nunca foi fácil ultrapassar na F-1, por isso precisamos ter paciência e esperar uma prova em um circuito normal para ver o que acontece. Melbourne nunca foi o melhor lugar para ultrapassar.” Horner, ex-piloto e atual bam-bam-bam da Red Bull Racing foi mais além:
“Vamos esperar pelos GPs da China (9/4) e do Bahrain (16/4), que acontecem em duas pistas mais propícias a essas manobras.”
No lado da organização não foram poucas as falhas notadas até mesmo durante a transmissão das provas. Um antigo recurso desenvolvido para monitorar, principalmente, o ritmo de cada piloto a cada volta para ajudar os comissários desportivos a checar quem obedecia às ordens de bandeira amarela foi posteriormente explorado no aplicativo da F-1. Este ano o mesmo sistema foi implementado nas transmissões de TV, aparentemente sem que as devidas orientações fossem passadas aos locutores e comentaristas. Isso gerou dificuldades para que muitos soubessem explorar a informação, situação que piorou quando as inserções com classificação por tempo e as comunicações por rádio desapareceram parcial ou completamente. Não fica difícil imaginar a possibilidade de um boicote por parte de quem perdeu companheiros de trabalho.
Visualmente a qualidade do show também foi afetada: ao final das provas de classificação e da corrida os pilotos foram direcionados a uma área comum onde não havia espaço para destacar os três primeiros colocados. No sábado, Hamilton, Vettel e Bottas foram transportados pelo pit-lane em um carro de apoio, mo qual o inglês passeou com metade do corpo para fora. A cena não condiz com a campanha de segurança de trânsito promovida pela FIA, não importa o quanto de politicamente correto seja aplicado nesse julgamento. Além disso, não havia mais Herbie Blash para convencer os pilotos a ir direto para a pesagem e, no caso dos três primeiros, para as entrevistas de praxe. Chegou a ser cômico ver Vettel analisando carro por carro enquanto as TVs do mundo esperavam por sua presença após a prova de classificação.
Diante desse quadro certamente é mais sensato apoiar as propostas de Räikkönen e Horner. Afinal, o campeonato está começando e mudanças, por melhores que sejam, Alteram a zona de conforto de todos os envolvidos.
#motoresclassicos
Carol Vilanova, editora da Revista e Portal Oficina News, é jornalista (Mtb 26.048) e trabalha desde de 1996 na imprensa editorial automotiva. Em 2003 iniciou sua participação no mercado da reparação e reposição automotiva, inclusive como editora da Revista o Mecânico por 12 anos. No ano de 2014, idealizou o Portal Oficina News, que em 2016 teve sua versão impressa publicada, a Revista Oficina News, sob a chancela da Editora Ita & Caiana. Sob sua responsabilidade editorial, publica também a Revista Frete Urbano.